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  • Foto do escritorJulio Dain

Por que tem uma mancha no meu legume (ou verdura ou fruta) orgânico/agroecológico?


No mundo da CSA, é comum recebermos reclamações ou questionamentos sobre a aparência dos itens recebidos, principalmente da parte de participantes novos. É compreensível que seus olhos, não raro acostumados às feiras e supermercados convencionais, reajam negativamente à percepção de que ocasionalmente os itens da cesta são menores, mais murchos ou manchados do que os outros. Então convém perguntar: por que a aparência dos alimentos orgânicos/agroecológicos de uma CSA é mais variável do que os expostos nas prateleiras dos grandes mercados e produzidos pela chamada “agricultura convencional”? Por que, às vezes, os legumes, verduras e frutas da cesta chegam lindos e grandes, mas, outras vezes, vêm pequenos e com manchas?


1) Escala e diversidade:

Em uma CSA, apoiamos o processo produtivo de uma pequena ou média propriedade agrícola próxima a nossa residência. O agricultor familiar envolvido não usa insumos químicos e produz uma grande variedade de alimentos, entre frutas, legumes e verduras, com o objetivo de suprir semanalmente cestas satisfatórias para todos os participantes envolvidos. A sua produção é, portanto, bem mais trabalhosa e arriscada do que a de um agricultor convencional, que produz menos variedades e usa diversos tipos de agrotóxicos (lembrando que, infelizmente, o Brasil é campeão mundial no uso de agrotóxicos). Embora, como veremos, o produto final seja infinitamente mais saudável, ele ocasionalmente perde em "estética" com relação ao que é produzido em grande escala em monocultura (ou cultura pouco variada), com o uso de defensivos e de sementes de baixa diversidade genética.


2) Sazonalidade e fenômenos climáticos:

Os itens produzidos em pequena escala (agricultura familiar) e de forma natural sofrem mais intensamente a influência da estação e dos fenômenos climáticos. A sazonalidade, junto às condições topológicas e climáticas específicas do local do plantio, define quais são os itens possíveis de serem produzidos em cada período do ano. Não é possível produzir caqui no inverno, por exemplo. Os fenômenos climáticos, como ausência ou excesso de chuva - ou chuva de granizo - também afetam enormemente a produção. Não raro, podem destruir uma produção, cujo investimento de tempo, trabalho e dinheiro foi bastante elevado para o agricultor. No verão do estado do Rio de Janeiro, por exemplo, costuma-se ter alternância de calor intenso, com chuva intensa. Isso afeta enormemente a produção:  em particular, “mela” muitas verduras ou as deixa com as famosas manchas pretas. Nessa época, grande parte da produção trabalhosamente iniciada pelo agricultor infelizmente se perde. Enquanto, na prateleira do supermercado, só são expostos os itens bonitos, vindos muitas vezes de outro estado ou mesmo de outro país (gerando uma poluição enorme de transporte), e os demais são descartados, na CSA não temos essa opção: embora, não raro, haja grandes perdas, o agricultor é obrigado às vezes a colocar na cesta produtos que não estão muito bonitos, mas, ainda assim, mantém suas capacidades nutritivas e gustativas. 


3) Não uso de agrotóxicos e adubos químicos:

Na agricultura dita convencional, o uso de agrotóxicos, adubos químicos e outras substâncias químicas tem o objetivo justamente de dar ao produto uma aparência bonita: ficam artificialmente grandes e sem marcas de insetos e, às vezes, ganham um “verniz”, ou seja, recebem uma outra camada de produtos químicos cuja finalidade é deixar as suas cores mais "vivas" ou lustrosas. Contudo, essa “beleza” vem em detrimento da saúde tanto do consumidor, quanto do produtor, assim como a de todo o Ecossistema. Tais aditivos artificiais, além de serem por si só tóxicos, diminuem a capacidade nutritiva dos vegetais. Enquanto a agricultura orgânica/agroecológica enriquece o solo, a convencional, o empobrece. Um solo pobre diminui enormemente a capacidade dos vegetais de absorção dos nutrientes (em particular os micronutrientes). Diversos estudos mostram que os orgânicos/agroecológicos contém entre 20 e 40% mais antioxidantes (contendo flavonoides, ácidos fenólicos, carotenóides e antocianinas etc) que os produzidos com pesticidas. O fato de não estarem protegidos, faz com que essas plantas fiquem mais fortes e tenham que se submeter a certo nível de stress, ao lidar com pragas e insetos. Isso, por incrível que pareça, é benéfico em termos de capacidade nutritiva: plantas mais fortes são comprovadamente mais nutritivas que plantas fracas.


4) diversidade genética:

Outra diferença é que os orgânicos/agroecológicos respeitam a diversidade genética da Natureza. Ao contrário das sementes híbridas ou transgênicas, que possuem todas o mesmo genoma, cada indivíduo de um plantio orgânico/agroecológico é único. Essa diversidade contribui positivamente também para a nutrição, embora evidentemente apresente uma aparência menos uniforme do que a dos produtos provenientes da agricultura convencional.


Convém também questionarmos os nossos próprios padrões de avaliação dos produtos a partir de sua aparência. Em um mundo onde muitos sofrem de fome - uma quantidade gigantesca de alimentos é descartada por critérios de aparência, e não de nutrição. Em estudo recente, pesquisadores mostraram que os pontos marrons e pretos na banana não são sinais de que ela esteja estragada. Ao contrário, é o momento em que grande parte do amido é convertido em açúcar, deixando-a ainda mais saborosa ou mais apta para a feitura de certas receitas. No próprio site da prefeitura de São Paulo encontramos: "de acordo com uma recente pesquisa feita por cientistas japoneses, a banana madura (com a casca apresentando algumas manchas escuras) produz uma substância chamada TNF (Fator de Necrose Tumoral), que tem a capacidade de combater, no nosso organismo, células com anomalias. Na banana madura são maiores os níveis de antioxidantes, que protegem o corpo contra doenças cardíacas e o câncer." Ainda assim, muitas pessoas jogam fora as bananas tão logo estas chegam a esse estado de maturação.


Contudo, não é verdade que os produtos orgânicos sempre sejam mais “feios” ou “menores”. Muitas vezes, é justamente o contrário que acontece. No caso de uma CSA, temos a compreensão do efeito da sazonalidade e de todas as dificuldades da pequena produção orgânica e aceitamos que há épocas em que os alimentos venham com manchas ou pequenos “machucados”, sabendo que haverá outras épocas de abundância, onde receberemos itens belos e/ou mais quantitativos na cesta, compensando em muito as eventuais perdas dos períodos de baixa produtividade. Nessa relação de longo prazo entre consumidores conscientes e agricultores, no final das contas, todos saem ganhando.

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Emanuelle Alves
Emanuelle Alves
08 feb

👏🏼👏🏼👏🏼

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